Lançamento do livro “Uma flor por Maria de Lourdes Pintasilgo “

Este evento foi promovido pela Agência do Banco do Tempo, de Quarteira, com o apoio da Câmara Municipal de Loulé, e teve lugar na Galeria Praça do Mar, em Quarteira. Intervenções de Gilberta Alambre, Isabel Pinto, Margarida Vieira e Teresa Maria Branco Apresentação de Maria Guadalupe Magalhães Portelinha

Sessão de apresentação “Uma flor por Maria de Lourdes Pintasilgo” Agência do Banco do Tempo de Quarteira 08 de Novembro de 2008 15.00h – Galeria Praça do Mar Muito obrigada a Giberta e Isabel, coordenadoras da Agência do Banco do Tempo em Quarteira, a Teresa Maria que fez a ligação com a Abril e também, a todos vós, pela vossa presença, amigas e amigos da Abril e de Maria de Lourdes Pintasilgo, muito obrigada por partilharem connosco este momento.

Antes de darmos início à apresentação do livro que hoje aqui nos junta, queria pedir-vos para que se sentassem, por instantes, num banco, que pode ser um banco do tempo, para vos oferecer um pequeno momento de introspecção com o visionamento de imagens acompanhadas por uma peça musical, de Hildegarde von Bingen, que Maria de Lourdes Pintasilgo (MLP) muito apreciava. São fotos de flores que uma amiga da Abril, Felizarda Barradas, dedicou a Maria de Lourdes Pintasilgo, inspirada no título do livro, da autoria de Margarida Vieira.

Este livro nasceu da junção de muitas vontades, de muita solidariedade e voluntariado, dado que todos contribuíram graciosamente para a sua elaboração, com excepção da Gráfica. Tivemos ainda o subsídio fundamental da FCG. Na altura do lançamento do livro, na Livraria Parlamentar da Assembleia da República, tive ocasião de agradecer a todos os que contribuíram para a sua elaboração. Mas, mais uma vez devo agradecer a todos e também agradecer em especial a MLP por ter feito parte das nossas vidas e ter contribuído, com o seu pensamento social e político e com a sua postura independente, para a constituição da Abril e dos objectivos que a têm norteado. Por isso e muito mais que ficará por dizer, se justificou a singela homenagem que lhe prestámos e que se consubstanciou neste pequeno livro que, por sua vez, se constituiu como outra evocação/homenagem também ela emotiva e saudosa. Mas com o que aprendemos com o pensamento de MLP, embora este seja um momento de saudade, não o será no sentimento estático, mas antes no motor da acção que nos leva a realizar iniciativas como este encontro. Sem dúvida, a saudade como lembrança do passado, mas também a saudade projectada na esperança e no futuro, e vivida no presente, no tempo do agir, agora! Na elaboração deste livro nós colocámos a ternura e o cuidado, essa ternura e cuidado que MLP tão bem definia e defendia; passámos tempo a cuidar da nossa flor, por isso esta “Flor por Maria de Lourdes Pintasilgo” ser tão importante para nós.

Com MLP percebemos que é a ternura e o cuidado que criam o universo das excelências, do significado da existencia, daquilo que vale e ganha importância, em função do qual se pode sacrificar o tempo, o empenho, e, às vezes, a própria vida. Segundo MLP e outros pensadores a raiz básica da nossa crise cultural é uma aterradora falta de ternura e de cuidado, de uns para com os outros, de todos para com a natureza e o nosso próprio futuro. MLP durante a sua vida deseja e persegue um pacto de futuro entre os povos, entre as religiões, para com a natureza. Por isso o seu alerta nessa obra exemplar: Cuidar o futuro e na Fundação com o mesmo nome! Heidegger colocou a ternura e o cuidado como fenómeno estruturante da existência, como aliás já o sabia o velho mito grego, segundo o qual o deus Cuidado foi quem criou o ser humano. Não deixa de ser sintomático que um dos maiores revolucionários modernos, Che Guevara, tenha tomado como lema da sua prática a ternura associada a um forte acção: “tem que se ser duro sem nunca perder a ternura”( hay que enrijecerse pero sim perder la ternura). E é também neste contexto, em que cuidado implica acção, que assentou o pensamento político de MLP. Na ligação entre ideias e acção, na convicção de que não deveria haver cortes entre economia e política, entre meios e fins, entre eficiência e equidade, entre métodos e valores, numa procura constante em associar o rigor e a democracia, nomeadamente a democracia participativa. O seu interesse em ir ao encontro de uma maior participação da opinião pública, ouvir a voz dos cidadãos, educar para a cidadania, despertar as consciências para que as pessoas se dêem conta de que ninguém pode pensar por elas, de que apenas elas são actores e donos do seu próprio destino, autores da própria história. Ela reclama o desassossego, o bulir com as ideias feitas, a necessidade de agir, mesmo com a palavra, de mudar a vida, mudando de vida. Defende a liberdade como vivência, que a liberdade não pode ser encarada como uma filosofia, nem sequer uma ideia, mas um momento de consciência. Apregoa a liberdade nas sua várias tonalidades, na consciência e alegria da alteridade do outro, no acto de fazer o outro existir. Percebe e reage à sujeição dos valores da liberdade de informação, à perversão do liberalismo e neo-liberalismo selvagens que tomando conta de todas acções políticas e económicas vão matando a humanidade existente no ser humano. Indigna-se com a injustiça, com as guerras que deflagram a todo o momento e defende uma ética de memória e de responsabilidade; a capacidade de sermos capazes de ter o pensamento nas vítimas da história e o dever de não esquecer. Daí a necessidade de redesenhar os caminhos do ser no tempo, de revalorizar o pensamento, e ver se a par de todo o cotejo das vítimas ainda é possível descobrir a esperança. Suportados pela esperança e para mantermos viva a sua memória tivemos o cuidado de incluir pequenos extractos do seu pensamento nas páginas iniciais deste livro, estimulando a curiosidade e lançando como que um convite ao estudo e aprofundamento do seu pensamento. Depois pedimos aos seus amigos que nos dessem um testemunho das suas vivências com MLP. Não vou falar da qualidade literária dos textos, que é enorme, mas dizer apenas que todos os depoimentos foram escritos com as palavras certas, aquelas que surgem no papel vindas directamente do coração. Fazendo uma referência breve aos depoimentos, inicio com José Saramago que nota como ela faz falta ao país, a este país que não sabe acarinhar aqueles que não são “alinhados”, aqueles que não têm moldura onde se encaixar. Esta ideia é também reforçada por Lídia Jorge que afirma que o que mais admirou em MLP foi a sua “impetuosidade e o desalinhamento”; aquela pessoa que reage e actua em relação aos factos que presencia, aquela que diz palavras subversivas e de inconformismo, que incomodam os acomodados. Também estes factos são sublinhados por Luís Moita quando refere que o Estado português nunca soube aproveitar as suas capacidades, pelo contrário desaproveitou-as e quase a esqueceu. Luís Moita ainda a evoca a “um ritmo ternário”: na sua experiência cristã, na acção política, e no compromisso internacional. MLP partiu de uma experiência cristã, envolveu-se na acção política e desabrochou na acção mundial. Esta sua acção internacional é também testemunhada por Manuel José Carmo Ferreira que explicita o sentido da expressão usada por MLP “uma sociedade de confiança”. Explica o seu grande desejo era que o relacionamento internacional mais do que entre estados ou povos fosse a constituição de uma sociedade de confiança, que pressupõe, para além do cumprimento dos DH instituídos, mais 3 Direitos: o direito à Paz (pondo a guerra inequivocamente fora da lei – lembro a sua condenação da guerra contra o Iraque); o direito à Pátria (cada um poder realizar uma verdadeira relação de pertença, de se sentir em comunidade -aqui lembrava emocionada a situação do povo palestiniano); por último, o direito a um património comum da humanidade (património referido não só ao passado mas essencialmente em relação ao futuro, ao direito ao futuro). Esta crença no futuro é também realçada por Maria João Seixas quando diz que MLP desenhou o futuro com as mais justas e belas cores e por Marcelo Rebelo de Sousa quando afirma que MLP como cristã apostava no futuro e encarava a Utopia como o caminho para ultrapassar as dependências e alienações do presente, por isso o seu ecumenismo consciente pela procura de espaços de entendimento com as pessoas, com nome e com rosto, na situação concreta. É igualmente nesta linha de ser cidadã universal e ecuménica, na procura da concretização da Utopia, que Hélia Correia, não sendo cristã, encontrou uma companheira espiritual, lembrando que a espiritualidade era em MLP acção e que toda a sua acção era espiritualidade. Referindo-se à candidatura de MLP à presidência da República afirma: “estivemos muito perto de atingir a Utopia e nunca a Utopia teve um rosto e um sorriso como o dela”. Segundo ainda Hélia correia, “essa mulher sobressaltou o pensamento português” pois desejava efectivamente que a par da democracia representativa, a democracia participativa se tornasse realidade. Esta matéria foi bem defendida por Nuno Teotónio Pereira que apelou às acções de cidadãos organizados bem como por Rui Oliveira quando declara com MLP que a intervenção cidadã tem de ser quotidiana e não apenas no momento do voto. Teolinda Gersão realça a mulher pragmática e de acção. Para ela, passar do campo das ideias e das palavras à acção concreta, ao trabalho de campo e ao serviço público, era a sua verdadeira maneira de ser, aspectos esses também realçados por Maria Vitória Vaz Pato que ainda foca o interesse vivo de MLP pela novidade. O sentido de missão, de entrega ao outro, da luta pela dignidade dos seres humanos, aliados à sua irreverência e ousadia, com a noção de que a democracia existente ainda é imperfeita, são ideias reforçadas por António Ramalho Eanes e também por Fátima Grácio quando exprime a necessidade e a pressa que MLP sentia em lançar os fundamentos da “Fundação Cuidar o Futuro”. Ela sabia que através da Fundação poderia desenvolver iniciativas e programas que reflectiam muitas das preocupações e causas que defendeu durante toda a vida: a construção de um ser humano interventivo e de uma democracia nas suas diversas vertente de cariz político, social, económico e cultural mas, acima de tudo, baseada na ética da justiça, da responsabilidade, dos direitos, do cuidado e na força da mudança. Esta arte de mudar no sentido da justiça e da liberdade está intimamente ligada à arte de cuidar, no dizer de Guilherme de Oliveira Martins, dois planos estruturantes para MLP, que entendia o poder das mulheres como força social e mobilizadora de toda a humanidade, para um novo contrato social. É sobre esta mulher inteira, atravessada por convicções e dúvidas fortes, dedicada a grandes causas que Isabel Alllegro de Magalhães evoca. A sua forma de pensar as questões da mulheres, entrelaçando a libertação das mulheres com a libertação sócio-política, recusando a noção de igualdade e depois a da paridade, em nome de uma nova diferença assente no reconhecimento de uma cultura própria das mulheres e numa subjectividade feminina em exercício. Francisco silva Alves também enfatizou esta questão da política ter nuances novas com MLP, por ser uma política pensada no feminino, por isso possivelmente mais sensível e mais humana. Maria do Céu Guerra, Elsa de Noronha, José Fanha, Francisco Fanhais e Rui Sequeira usaram as palavras poéticas e as dos poetas para falarem de MLP. João Lavinha focou, entre outros aspectos, a obrigação da Abril, como imperativo social e político, em valorizar o legado cívico de MLP, em levar para diante o seu testemunho no aprofundamento e aperfeiçoamento da Democracia participativa. Nós, Associação Abril, estamos empenhados e empenhadas em fazer germinar o seu legado em todas as frentes, onde for necessário e oportuno. Para já queremos responder-lhe com Leonardo Boff quando diz: “…ensina teus passos/o caminho dos sonhos…/vives o tempo da coragem/ a música do risco…/ o tempo te desafia clamando! E roubando uma imagem que alguém utilizou para com o Zeca Afonso dizendo que ao morrer se transformou numa estrela da constelação da Utopia, acho que também MLP lá está, estrela dessa constelação, a mostrar-nos o caminho, tal como Eduardo Galeano tão bem descreveu e nós gostaríamos de seguir. E diz assim:

“ A utopia está lá no horizonte, Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais a alcançarei. Para que serve a Utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.” .

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