"A memória no feminino" nos 25 anos da Abril



Algumas palavras em jeito de balanço sobre o  Ciclo de Conferências organizado pela Associação Abril em parceria com a Sociedade Portuguesa de Autores.

Quase sem contarmos já estávamos a organizar actividades em parceria com a SPA. Valeu-nos o interesse e a disponibilidade do seu presidente Dr. José Jorge Letria que acolheu a nossa proposta. Duas vontades se conjugaram e, em nossa opinião, com um bom resultado: por um lado havia o julgamento dos arguidos no caso da "Filha Rebelde " e o envolvimento da SPA na defesa da autora da peça e dos directores do Teatro D. Maria II. Por outro, o empenhamento da Abril em denunciar a situação e divulgar o mais possível o que se passou naquele tribunal, desde o atentado à liberdade de expressão e criação, até ao desfecho favorável. Tudo isto coincidiu com o programa da celebração dos 25 anos da Associação, sob o signo "A memória no feminino". Na altura da programação  lutávamos com a necessidade de um espaço melhor do que o da nossa sede para realização desta iniciativa. Convencidas que somos de que "quem procura sempre encontra", achámos  mesmo. Aproveitámos com enorme satisfação a disponibilidade militante  e o espírito de Abril existente na SPA, para a Abril  falar, desta vez, no feminino.

Neste nosso ensejo de usar as palavras de ordem de MLP: dar voz aos sem voz, denunciar, enunciar, dizer, agir a palavra, organizámos, então, com o apoio precioso da SPA e seus colaboradores, cinco sessões sob o tema do feminino e da memória. Nas  duas primeiras sessões, através da projecção do vídeo da peça de teatro, demos voz à filha que, abraçando a revolução cubana, se rebelou contra a política cruel e sinistra defendida pelo pai, o major Silva Pais, director da PIDE, até 1974.

Depois recuámos para a 1ªRepública, tempo em que foram dados os primeiros passos pela emancipação da mulher. Iluminadas pela memória, foram recordadas mulheres carismáticas como Adelaide Cabete, Ana Castro Osório, Carolina Beatriz Ângelo, entre outras, pioneiras que lutaram pela sua/nossa igualdade de direitos e oportunidades. Coube a Ana Vicente, ela própria uma lutadora inconformada com as injustiças sistemáticas de que a mulher é vítima, fazer  uma excelente comunicação sobre este período de abertura e esperança.

Na terceira (quarta) sessão imergimos no período negro do fascismo, nesses anos de chumbo que marcaram de forma cruel a nossa história recente. Ouvimos protagonistas reais, mulheres que experienciaram os duros efeitos da ditadura, da guerra colonial, mulheres que  convictamente defenderam as suas ideias, que foram protagonistas activas do seu destino e ajudaram a fazer a história. Mulheres corajosas, de luta, de resistência, defensoras da liberdade e que sentem, hoje, apesar do reviver da dor, a necessidade de alertar, de passar a palavra, não permitindo que a memória se apague e que o fascismo seja "branqueado ou lavado" por interesses obscuros. Com emoção escutámos os tocantes depoimentos de Helena Neves, Aurora Rodrigues, Helena Pato e Ana Bela Vinagre.

A última actividade, integrada neste ciclo, foi dedicada a Maria de Lourdes Pintasilgo, sua vida e obra. Tivemos o visionamento de um filme e três oradoras excepcionais - Alfreda Ferreira Fonseca, Maria do Loreto Paiva Couceiro e  Maria Luisa Beltrão - que nos trouxeram a personalidade  rica e multifacetada MLP sob diferentes vertentes: política, social, cívica e religiosa. Em jeito de pequena mas sentida homenagem, com imagens e palavras foi lembrada essa grande mulher que ficará nas páginas da nossa história recente, como verdadeira protagonista, pelo seu projecto político diferente e inovador e que, para além da outras lutas, também se envolveu na causa das mulheres e trabalhou e pugnou pela sua dignidade social.

Uma palavra muito especial e carinhosa aos músicos que emprestaram  a estas sessões  uma beleza e um ambiente muito peculiar e enriquecedor.

Para a Abril este ciclo "A memória no feminino" foi o começo de uma futura e desejada  parceria e colaboração com a SPA, estando em curso a assinatura de um Protocolo entre as duas Instituições.